Deu piriri no barão
Consequências
gratificantes de um almoço em homenagem ao convidado ilustre que confirmou
presença, mas não compareceu
Por Guilherme Rodrigues
Um grande amigo que mora em São Paulo
avisou: o barão Philippe de Rotshchild apreciou ouvir sobre façanhas
gastronômicas em Curitiba e estava disposto a comparecer a um ágape na capital
do Paraná. O ilustre personagem do vinho mandou avisar que traria o La Tâche
1996. Tirei a poeira de um Madeira Boal Blandy’s Solera 1826. Tratando-se de
figura da alta nobreza europeia, nada como honrá-lo com uma garrafa do Porto
Colheita Graham’s Jubilee 1952, lançado em homenagem aos 50 anos da coroação da
rainha Elisabeth, da Inglaterra. Cada um dos demais convidados separou vinhos
celestiais. Escolhemos o restaurante Durski, Meca enogastronômica curitibana,
para serviço tão nobre. A casa abriu exclusivamente para o almoço, com cardápio
especial.
No Dia D, bem cedo, o amigo de São Paulo
chamou: “O barão mandou um SMS. Teve piriri de noite. Não poderá comparecer”.
Fazer o quê? Resolvemos, então, não imitar o “Samba do Arnesto”, do saudoso
Adoniran Barbosa, no qual a festa prometida não aconteceu (“O Arnesto nos
convidou pra um samba, ele mora no Brás/ Nós fumos, não encontremos
ninguém...”). Assim, fizemos o almoço do barão, mesmo sem a presença dele. Mas
não levei o Madeira 1826. Escalei no lugar um La Tâche 2010. Abrimos dois
grandes champagnes no início: Salon 1997, rico, redondo, marmelada, vivo (nota
93); e Cristal rosé 1996, muito refinado, frutos vermelhos cristalizados,
cintilante, longo, mineral, genial (97). Também escalamos um Yquem 1997, para
acompanhar um com foiegras (92). Acompanhamos um prato de peixe com um
Chevalier Montrachet Ramonet 2009, seco, refinado (93+) e um Haut Brion branco
2004, mais potente e exuberante, mineral e amanteigado (94).
Para uma receita de ave, escolhemos o La
Tâche 2010, puro, evocando pitangas, muito refinado e complexo (98). O
Richebourg Leroy 2004 mostrou ares mais maduros e voluptuosos, cheio, cálido
(93). Houve ainda um Côte Rôtie La Landonne do Guigal, 1997, glorioso,
derramando fruta madura, carnudo, potente e elegante, café (96). E ainda um
Quinta do Vale Meão 2011, aveludado, perfumado, fino, muito frescor, estrutura
forte e macia, sensacional (96+). Fechamos os tintos com um Bordeaux: o Haut-Brion
1982, ares maduros, caixa de charutos, couro, cassis, fumé, uma garrafa mais
rústica, porém limpou com arejamento (95+). Depois, foi a vez de um Latour
1990, cassis, fino, elegante, nozes, tabaco, monumental (97); e um Margaux 1990,
ainda mais potente e vivaz, muita fruta madura, violetas, refinado, ainda novo,
exuberante (99). Já o Niepoort Vintage Port 2011 explodiu em aromas e perfumes
inebriantes. Tinha estrutura perfeita, era refinado, de perder a cabeça (98+).
O Porto Graham’s colheita 1952 homenageou
dignamente a rainha Elizabeth: notas sofisticadas de chá, tabaco, fruta madura
copiosa e fina bem mesclada com frutos secos, fumé, caramelo, café verde (96).
Para fechar, dois super champagnes: Krug 1996, potência engarrafada,
superintenso, usina de força (97); e Dom PérignonOenothéque 1996, fulgurante,
amigável, cheio, vivo e cintilante (96+).
O advogado, jornalista, escritor e
gastrônomo francês Grimod de La Reynière (1758-1838), autor do Manual dos Anfitriões, dizia que a falta
a um convite gastronômico aceito é ofensa gravíssima, punível com a “morte
civil”. Mas o barão estava coberto pela excludente do mesmo corpo legal, isto
é, doença grave. No caso, piriri... Seja como for, o almoço em homenagem a ele,
sem a sua presença, acabou divertido e pudemos desfrutar de vinhos
espetaculares, com diversos brindes ao convidado que não pôde vir.
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