terça-feira, 21 de outubro de 2014

Deu piriri no barão

Consequências gratificantes de um almoço em homenagem ao convidado ilustre que confirmou presença, mas não compareceu

Por Guilherme Rodrigues

      Um grande amigo que mora em São Paulo avisou: o barão Philippe de Rotshchild apreciou ouvir sobre façanhas gastronômicas em Curitiba e estava disposto a comparecer a um ágape na capital do Paraná. O ilustre personagem do vinho mandou avisar que traria o La Tâche 1996. Tirei a poeira de um Madeira Boal Blandy’s Solera 1826. Tratando-se de figura da alta nobreza europeia, nada como honrá-lo com uma garrafa do Porto Colheita Graham’s Jubilee 1952, lançado em homenagem aos 50 anos da coroação da rainha Elisabeth, da Inglaterra. Cada um dos demais convidados separou vinhos celestiais. Escolhemos o restaurante Durski, Meca enogastronômica curitibana, para serviço tão nobre. A casa abriu exclusivamente para o almoço, com cardápio especial.
      No Dia D, bem cedo, o amigo de São Paulo chamou: “O barão mandou um SMS. Teve piriri de noite. Não poderá comparecer”. Fazer o quê? Resolvemos, então, não imitar o “Samba do Arnesto”, do saudoso Adoniran Barbosa, no qual a festa prometida não aconteceu (“O Arnesto nos convidou pra um samba, ele mora no Brás/ Nós fumos, não encontremos ninguém...”). Assim, fizemos o almoço do barão, mesmo sem a presença dele. Mas não levei o Madeira 1826. Escalei no lugar um La Tâche 2010. Abrimos dois grandes champagnes no início: Salon 1997, rico, redondo, marmelada, vivo (nota 93); e Cristal rosé 1996, muito refinado, frutos vermelhos cristalizados, cintilante, longo, mineral, genial (97). Também escalamos um Yquem 1997, para acompanhar um com foiegras (92). Acompanhamos um prato de peixe com um Chevalier Montrachet Ramonet 2009, seco, refinado (93+) e um Haut Brion branco 2004, mais potente e exuberante, mineral e amanteigado (94).
      Para uma receita de ave, escolhemos o La Tâche 2010, puro, evocando pitangas, muito refinado e complexo (98). O Richebourg Leroy 2004 mostrou ares mais maduros e voluptuosos, cheio, cálido (93). Houve ainda um Côte Rôtie La Landonne do Guigal, 1997, glorioso, derramando fruta madura, carnudo, potente e elegante, café (96). E ainda um Quinta do Vale Meão 2011, aveludado, perfumado, fino, muito frescor, estrutura forte e macia, sensacional (96+). Fechamos os tintos com um Bordeaux: o Haut-Brion 1982, ares maduros, caixa de charutos, couro, cassis, fumé, uma garrafa mais rústica, porém limpou com arejamento (95+). Depois, foi a vez de um Latour 1990, cassis, fino, elegante, nozes, tabaco, monumental (97); e um Margaux 1990, ainda mais potente e vivaz, muita fruta madura, violetas, refinado, ainda novo, exuberante (99). Já o Niepoort Vintage Port 2011 explodiu em aromas e perfumes inebriantes. Tinha estrutura perfeita, era refinado, de perder a cabeça (98+).
      O Porto Graham’s colheita 1952 homenageou dignamente a rainha Elizabeth: notas sofisticadas de chá, tabaco, fruta madura copiosa e fina bem mesclada com frutos secos, fumé, caramelo, café verde (96). Para fechar, dois super champagnes: Krug 1996, potência engarrafada, superintenso, usina de força (97); e Dom PérignonOenothéque 1996, fulgurante, amigável, cheio, vivo e cintilante (96+).

      O advogado, jornalista, escritor e gastrônomo francês Grimod de La Reynière (1758-1838), autor do Manual dos Anfitriões, dizia que a falta a um convite gastronômico aceito é ofensa gravíssima, punível com a “morte civil”. Mas o barão estava coberto pela excludente do mesmo corpo legal, isto é, doença grave. No caso, piriri... Seja como for, o almoço em homenagem a ele, sem a sua presença, acabou divertido e pudemos desfrutar de vinhos espetaculares, com diversos brindes ao convidado que não pôde vir.

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